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ESTELA DE TUTMÓSIS IVA esfinge de Gizé é um monumento único. Não houve nada parecido antes dela e depois dela nenhuma outra foi construída na mesma escala pelos egípcios. Nas representações artísticas que fizeram, entretanto, as esfinges geralmente aparecem aos pares. A estela que Tutmósis IV (c. 1401 a 1391 a.C.) mandou fixar na frente do monumento, e que vemos ao lado numa foto do Canadian Museum of Civilization Corporation (CMCC), é um bom exemplo disso. No relevo feito no granito, a esfinge está assentada sobre uma construção complexa. Os arqueólogos dizem que o palácio gravado na estela é representação do templo que existe até hoje diante da esfinge. Entretanto, a forma do edifício representado na estela é totalmente diferente do templo da esfinge. Além disso, as regras de perspectivas usadas pelos artistas egípcios fariam com que eles colocassem o templo diante da esfinge, como realmente ele está situado, e não abaixo dela. Tais regras eram por demais rígidas e nenhum artista oficial se permitiria divergir de realidade em tal medida.

Bassam El Shammaa, um egípcio nascido em Alexandria em 1962, egiptólogo amador, escritor e palestrante que já publicou mais de 30 livros sobre egiptologia, acredita que a esfinge de Gizé tenha tido uma companheira idêntica. Ele baseia sua teoria sobre a crença dos antigos egípcios na dualidade da natureza e na utilização que faziam em sua arte e arquitetura da simetria para simbolizar a harmonia. Esta crença remonta à aurora da história faraônica. Em seu site, o qual não está mais disponível na Web, mas que pode ser recuperado clicando-se aqui, ele afirma que as avenidas e entradas de túmulos sempre foram protegidos por duas esfinges que flanqueavam os portais. Por conseguinte, acredita que existe uma grande chance de que havia, ou ainda há, outra esfinge paralela à que existe hoje, situada no outro lado da calçada que corre na lateral do grande monumento. Ele acredita que ela esteja enterrada sob a areia, bastante dilapidada, talvez tendo existido alguém que colaborou para sua destruição. Para reforçar sua tese, cita a chamada Estela do Inventário, a qual afirma que Kéops (c. 2551 a 2528 a.C.) encontrou a esfinge pronta. O mesmo documento menciona que um raio atingiu a trança da parte posterior do adorno da cabeça e a destruiu. Mais ao sul o mesmo raio teria queimado um sicômoro. A área entre a esfinge e a pretensa árvore está vazia atualmente e ele acredita que é aí que a segunda esfinge está enterrada, sendo que também pode ter sido atingida pelo raio e destruída.

Segundo Shammaa, esta idéia de duas esfinges está bem representada na iconografia egípcia e está bem de acordo com as crenças egípcias de como o universo foi criado, as quais, fundamentalmente, se baseiam na dualidade e têm origem no período pré-dinástico. O deus Atum criou Shu e Tefnut na forma de dois filhotes de leão, um macho e uma fêmea, colocando cada um deles num dos extremos do universo. Os antigos artesãos egípcios e os sacerdotes sempre os desenharam e os descreveram vigiando as dois montes primevos interligados (akhet), os quais com o Sol no meio formam a palavra hieroglífica para "horizonte". Quando o Sol se punha, afirmava-se, o leão do ocidente pegava o Sol em suas mandíbulas e o transportava pelo mundo subterrâneo, entregando-o, finalmente, ao leão do oriente. Assim, depois de um período de escuridão, começava a amanhecer. Estes dois leões simbolizavam o "ontem" e o "amanhã". O disco solar da divindade se eleva entre os animais, os quais eram responsáveis por vigiar os limites leste e oeste, apoiando a luta da luz contra a escuridão, da ordem contra o caos, de Hórus contra Seth. A avenida de esfinges com cabeças de carneiro defronte do primeiro pilone de Karnak e as esfinges com cabeças humanas diante do templo de Luxor enfatizam esta dualidade.

Embasado nesse conceito religioso, Shammaa prossegue seu raciocínio afirmando que quando nos colocamos diante da esfinge e vemos as três pirâmides atrás dela, percebemos que há duas colinas, ou seja, duas construções de forma piramidal semelhantes em altura e tamanho, conectadas por um vale de terra. Uma vista aérea do complexo piramidal de Kéfrem confirmará que a calçada que liga o templo mortuário ao templo do vale teve que desviar seu caminho para o sul para evitar a esfinge já existente. A calçada termina no templo do vale, desembocando no seu lado norte, não no meio, como de costume. Os operários estavam tentando evitar outra estátua sagrada intocável no lado sul: a esfinge desaparecida. Se consideramos o templo da esfinge e o templo de vale, podemos deduzir que ambos são semelhantes no projeto, na altura, no desgaste, na erosão e na destruição pelo tempo. O que parece é que havia um único templo dedicado à adoração do horizonte, o santuário do deus-Sol. Com as obras posteriores o templo foi dividido em duas partes iguais, cada uma dedicada a um dos leões. Deve-se ter em mente que o granito rosa que reveste algumas partes do templo do vale foi colocado décadas depois da construção do monumento. Este fato fica demonstrado, sem sombra de dúvida, quando se observa como o granito está embutido nas cavidades causadas pelo desgaste do tempo. Assim, raciocina Shammaa, se há dois montes, dois templos que significam as duas extremidades dos limites do mundo no leste e no oeste, e dois santuários do deus e um deles (templo da esfinge) está guardado por uma esfinge de leão junto a ele, por que então o segundo santuário do deus (templo do vale) não é protegido e vigiado da mesma forma com uma esfinge a seu lado?

O deus Aker é descrito frequentemente como dois leões sentados e voltados para lados opostos. Shammaa pensa que a esfinge tinha uma cabeça de leão antes de ser refeita com cabeça de um faraó. Isto explicaria por que a cabeça humana da esfinge é pequena em comparação ao corpo do leão. Os antigos egípcios jamais incorreriam num erro tão primário da relação entre as proporções. O leão duplo é uma manifestação de Shu e Tefnut. Os egípcios nunca protegeram apenas de um lado qualquer avenida, entrada, templo ou tumba, porque isso seria contra o bom senso da idéia de proteção, já que um lado do santuário de Atum ficaria exposto ao perigo. Além disso, os dois leões no Livro dos Mortos são simbolos de Osíris, de Rá e, às vezes, de Atum. A ausência de um deles provoca caos, crise e uma grande desordem.

Se o Sol precisa de dois leões para levá-lo do oeste para leste, e como a esfinge existente está sentada exatamente na fronteira entre o deserto (nenhuma vida) e a vegetação (vida), então, como a jornada do renascimento eterno do Sol poderia ser completada se houvesse só um leão? Quem cuidaria desse transporte do oeste para seu destino? Alcançar o objetivo da ressurreição do Sol é impossível, a menos que haja dois leões. Os dois leões de perfil que ladeiam o horizonte são as duas esfinges: uma atrás do templo da esfinge, a qual simboliza o limite ocidental, e outra atrás do templo de vale, a qual simboliza o limite oriental onde o Sol renascerá, da mesma maneira que a terra se torna verde no vale devido à rica inundação do Nilo. Se olharmos de frente os dois animais da cena desenhada de perfil, veremos dois leões que ladeiam a calçada que divide um templo em dois. Veremos, ainda, ao fundo, duas pirâmides. A base de pirâmide de Kéfren (c. 2520 a 2494 a.C.) foi esculpida no leito da rocha para criar, então, a cena da monte primevo e o disco solar surge entre os dois monumentos para completar a cena do Livro dos Mortos.

A arte egípcia antiga sempre dependeu da harmonia entre a relação e a proporção da cena. As formas devem ser simétricas. O resultado final produzido deve ser harmonioso. Na escultura sempre um dogma de duplicidade dominou a construção religiosa. Exemplos: a avenida dupla de esfinges com cabeças de carneiro de Ramsés II (c. 1290 a 1224 a.C.) em Karnak, ou a de esfinges com cabeças humanas de Nectanebo I (380 a 362 a.C.) no templo de Luxor. Duas estátuas sentadas ladeiam as entradas dos templos. Um lado sempre é igual ao outro. A conclusão que o autor tira de tais considerações é a de que a existência de uma segunda esfinge no outro lado da calçada está além de qualquer dúvida. Portanto, ele acredita que os restos da segunda esfinge ainda estão lá enterrados na areia, ainda que possam se encontrar muito delapidados. Com relação à estela de Tutmósis IV que aparece no topo desta página, Shammaa afirma que não se trata de uma cena repetida em um espelho. Evidentemente o faraó está fazendo oferendas para duas esfinges diferentes. Primeiro porque está usando coroas diferentes: a coroa azul de guerra numa cena e o nemes na outra cena. Portanto, trata-se de duas situações diferentes. Em segundo lugar, porque o faraó oferece dois tipos de libações diferentes para cada cena, ou seja, ele não trata as duas esfinges de maneira igual.

Outro dos defensores da idéia de que a esfinge de Gizé tenha tido uma companheira idêntica é Michael Poe, arqueólogo formado em Los Angeles pela Universidade da Califórnia (UCLA). Apesar da assim chamada Estela do Inventário informar que a esfinge já existia no tempo de Kéops e que o faraó encontrou a esfinge em ruínas e mandou restaurá-la, pode até ser que tal estela seja uma fraude piedosa daquela época, já que se trata de um artefato datado da XXVI dinastia (664 a 525 a.C.). Poe escreveu que não temos qualquer evidência arqueológica de que Kéfren tenha mandado reparar a esfinge. Ele explica que existem duas referências datadas do Império Médio (c. 2040 a 1640 a.C.), ou seja, de época muito posterior à construção do monumento. Uma, encontrada num papiro fragmentário, diz que Kéfren encontrou a esfinge, que seria mais antiga que ele, e modificou a face do colosso. Diz ainda que havia outra esfinge, do outro lado do rio, voltada para esta que conhecemos. Ambas estariam ali para representar a linha divisória entre o Egito Norte e o Egito Sul. Tal informação foi corroborada por gregos, romanos e muçulmanos. A segunda esfinge teria sido destruída entre os anos 1000 e 1200 da nossa era. A outra referência do Império Médio informa que Kéfren construiu a esfinge de Gizé.

Na entrada para edifícios e templos — pondera o arqueólogo — há duas Esfinges, lado a lado, mas nas avenidas ou vias de acesso ao templo elas estão frente a frente. Às vezes pode haver até 100 delas se defrontando na avenida. O Nilo é a avenida do Egito entre o Norte e o Sul. Todas as referências sobre as duas esfinges dizem que elas estavam se defrontando. A propósito, a segunda foi destruída em parte durante uma inundação muito grande do Nilo, e então completamente destruida, possibilitando que muçulmanos levassem os pedaços para reconstruir suas aldeias. Mas ele também podera que não está sugerindo que o fato seja absolutamente verdadeiro: afinal de contas, nos dois séculos compreendidos entre 1000 e 1200 as pessoas no Egito contavam muitas histórias fantasiosas. Mas ele acha que faz sentido, já que o monumento seria de tijolos revestidos com pedra. Por volta de 1200 d.C. a cidade do Cairo sofreu um grande terremoto e as pessoas usaram as pedras do revestimento da Grande Pirâmide para reconstruir parte da cidade e podem ter utilizado, também, as pedras da segunda esfinge. Isso teria deixado os tijolos se deteriorando ao ar livre e o Nilo, gradualmente, os transportou para leste, longe das pirâmides, engolfando e soterrando definitivamente os vestígios desse pretenso monumento.

Michael Poe cita três escritores árabes que mencionam a segunda esfinge. O primeiro é Musabbihi, o qual, por volta de 1024 d.C., menciona uma esfinge menor, do outro lado do Nilo, ao sul do Cairo, de tijolos e pedra, mas bastante arruinada. Outro é Nasir-i Khosrau, que visitou o Egito entre agosto de 1047 e abril de 1048 d.C. e ouviu falar de uma segunda esfinge, mas aparentemente nunca procurou por ela e nem a viu. O terceiro é Al-I'Drisi, que viveu, aproximadamente, entre 1099 e 1166 d.C. Ele se refere ao monumento em duas enciclopédias geográficas que escreveu. Diz que era feito de lama, ou seja, de tijolos, revestido de pedra e se encontrava em péssimo estado de conservação. Acrescenta que quase todas as pedras haviam sido removidas pelos habitantes locais e que agora o Nilo lambia os seus pés. Al-I'Drisi nada fala sobre o tamanho da esfinge, mas uma vez que o Nilo se moveu ainda mais para leste depois de 1166 d.C., ela teria sido destruída. Poe argumenta que poderia tratar-se de uma esfinge maior do que as habituais que normalmente ladeavam a via de acesso a um templo. Talvez ela fosse a última sobrevivente de uma série destruida pelo Nilo depois que ele invadiu a área.

Os controvertidos autores Graham Hancock e Robert Bauval também acreditam na probabilidade da existência de uma segunda esfinge. Na obra A Mensagem da Esfinge eles sustentam que o monumento foi esculpido para representar Harmakhis, palavra que significa Hórus no Horizonte ou Hórus dos dois Horizontes. Eles ponderam que estando Harmakhis, a esfinge, no horizonte ocidental de Gizé, deveríamos procurar sua contrapartida, o Harmakhis do horizonte oriental de Gizé. Apesar destas afirmações, a identificação da esfinge com Harmakhis só aconteceu muitos séculos depois dela ter sido construída.

Se existiu uma segunda esfinge, nenhum vestígio sobrou dela. A margem leste do Nilo está tomada por modernos edifícios e o local onde ela deveria estar é setor residencial do Cairo. Além disso, deve-se considerar que o rio era muito mais largo na antiguidade, principalmente nas épocas de cheia. Todas as evidências da existência de tal monumento foram apagadas para sempre. Pouco sabemos que possa dar a certeza de que uma segunda esfinge teria existido. O arqueólogo Flinders Petrie, no final da temporada de escavações de 1921 e 1922, gastou algum tempo procurando a segunda esfinge, mas desistiu da idéia. Depois de examinar meticulosamente a área na qual ela poderia ter sido erguida, chegou à conclusão de que não havia evidência de que tivesse existido.



Teria havido duas Esfinges — Parte 2

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