O PÁSSARO ALMA


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OS ANTIGOS Egípcios formularam algumas teorias a respeito dos elementos que formavam o ser humano. Um de tais elementos era o ba, palavra que pode ser traduzida por sublime, nobre, poderoso e cuja idéia se assemelha ao nosso conceito de alma. Nos papiros e monumentos ele está representado por um falcão com cabeça humana. Tanto pode ser uma estátua colocada junto da múmia, quanto uma figura adorando o Sol que se levanta ou voando acima do morto, como nessa vinheta extraída do Livro dos Mortos do escriba Ani. Aqui a múmia do falecido está deitada sobre um esquife e acima dela, na forma de um pássaro com cabeça humana, sua alma segura com as garras o shen, o emblema da eternidade.

OS EGÍPCIOS ACREDITAVAM que ao morrer as partes espirituais do ser se separavam do envoltório material do corpo. O ba, com sua forma de pássaro, ficava livre para voar e aparecer onde lhe conviesse. Podia animar o cadáver, lhe permitir realizar sua "saída à luz do dia", se refrescar às margens do Nilo, respirar o doce vento do norte, se saciar de alimentos, andar livremente, ver sua morada enquanto vivo e escapar das ameaças. De maneira genérica, o ba era a manifestação concreta da habilidade inata que a alma humana possui para assumir diferentes formas, tanto em vida quanto na morte. Tal habilidade é particularmente importante quando a pessoa está morta, pois torna-se necessário à alma deixar o túmulo durante o dia para visitar o mundo exterior, no qual ela pode se transformar em qualquer forma que lhe seja útil para alcançar seus objetivos. De noite o ba retorna à tumba e ao corpo que é sua moradia normal. Assim a alma, conforme nos explica a egiptóloga Elisabeth Delange, sem vínculos no espaço e no tempo, é no entanto atraída, como que magnetizada pelo indivíduo que ela anima, indissociável de seu "ser", do qual ela permanece a energia vital, além da morte.

A LIVRE MOVIMENTAÇÃO DO BA era muito importante na religião egípcia. Era a ligação noturna do ba com o cadáver que mantinha a múmia espiritualmente viva. Porém, se o ba fosse impedido de qualquer maneira dos seus vôos diários e da sua união com a múmia, então a múmia morreria e o espírito do defunto seria aniquilado. O resultado seria a morte espiritual total e inequívoca. Porque os inimigos de Rá estavam sempre tratando de criar armadilhas para capturar o ba enquanto ele voava de um lado para outro, ele necessitava de feitiços mágicos e ajuda espiritual que o protegessem contra tais perigos.

NO LIVRO DOS MORTOS três capítulos se destinam a ser recitados para garantir o livre ir e vir e o dinamismo do ba. A fórmula do capítulo 89 do papiro de Ani, chamada De como fazer a alma unir-se ao corpo no mundo inferior, diz:

Salve, grande Deus! Deixa minha alma vir para mim de onde quer que esteja. Se ela demorar, deixa minha alma ser-me trazida de onde quer que esteja (...). Deixa-me ter a posse da minha alma (ba), e da minha alma imortal (khu), e deixa-me triunfar com elas em todos os lugares, sejam eles quais forem. Observai, pois, ó divinos guardiões do céu, minha alma onde quer que ela esteja. Se ela demorar, faze que minha alma olhe para o meu corpo (...).
Salve, ó deuses, que rebocais o barco do senhor de milhões de anos, que o trazeis para cima do mundo inferior e o fazeis navegar sobre Nut, que introduzis as almas em seus corpos espirituais, (...) destruí o Inimigo; (...). E adimiti que a alma do falecido, triunfante, entre à presença dos deuses e que ela seja triunfante convosco na parte oriental do céu para chegar ao lugar onde estava ontem; e possa ela ter paz, paz em Amentet. Possa ela olhar para o seu corpo material, possa descansar sobre o seu corpo espiritual; e nunca pereça nem sofra corrupção o seu corpo.
Estas palavras devem ser ditas diante de um pássaro-alma de ouro incrustado de pedras preciosas e colocado no peito
do morto.
JUSTAMENTE A FOTO DE UMA DESSAS JÓIAS é o que vemos acima. Com 2,5 cm de altura e 5,95 cm de largura, essa miniatura é confeccionada em ouro, lápis-lazuli e turquesa, sendo da épóca ptolomaica e de proveniência desconhecida, pertencendo atualmente ao Museu do Louvre. Ela não tem inscrição, mas as asas estendidas em gesto de proteção não deixam dúvidas de que o amuleto visava substituir a magia do discurso. Assim, a alma "imaterial" era fixada sobre a múmia por dois anéis de sustentação, por toda a "eternidade".