INSTRUMENTOS MUSICAIS




GRUPO DE JOVENS INSTRUMENTISTAS Flauta e harpa são dois instrumentos musicais que surgiram na época das pirâmides. Isoladamente ou em conjunto, podiam se associar à voz e às palmas. A verdade é que os egípcios sempre gostaram de música. Amavam-na bem antes da invenção de qualquer instrumento, quando ainda só sabiam bater com as mãos ao ritmo da voz. Com o decorrer dos séculos passaram a contar com instrumentos musicais variados e bem desenvolvidos. A ilustração ao lado nos mostra, por exemplo, um grupo de jovens com seus respectivos instrumentos: uma harpa, um alaúde, uma flauta dupla e uma lira. A importância que os egípcios davam à música no seu cotidiano é atestada pela grande quantidade de instrumentos musicais que foram encontrados pelos arqueólogos, a maioria cuidadosa e individualmente embrulhada em tecido, frequentemente gravados com os nomes de seus proprietários e que hoje podem ser vistos em museus de todo o mundo.

Os relevos nas paredes de templos e túmulos de todos os períodos da história egípcia mostram numerosos tipos e formas de instrumentos musicais, a técnica com a qual eles eram tocados e afinados e, ainda, músicos atuando em conjunto. Uma imagem do Império Antigo (c. 2575 a 2134 a.C.), por exemplo, mostra um flautista, um harpista, quatro dançarinos e dois cantores. Em uma figura do Império Médio (c. 2040 a 1640 a.C.) aparece uma longa flauta e uma grande harpa acompanhando um homem que canta com a mão esquerda posta em concha na orelha; outro desenho mostra três cantores acompanhados por duas harpas, um sistro e um chocalho. Uma pintura do Império Novo (c. 1550 a 1070 a.C.) indica que havia certas salas do palácio real de Tell el-Amarna que eram destinadas à música.

Algumas cenas são tão detalhadas que nos permitem ver as mãos do harpista percutindo certas cordas, ou os tocadores de instrumentos de sopro emitindo determinados acordes. As distâncias dos trastos do alaúde mostram claramente que os intervalos correspondentes e as escalas podem ser medidas e calculadas. As posições das mãos dos harpistas nas cordas indicam claramente relações como as de quarta, quinta, e oitava, revelando um conhecimento inquestionável das leis que governam a harmonia musical. A execução dos instrumentos musicais é controlado pelos movimentos das mãos dos quirônomos, o que também nos ajuda a identificar certos tons, intervalos e relações entre os sons.

HARPA CURVA As harpas, um dos mais antigos instrumentos musicais do mundo, idealizadas a partir dos arcos de caça, foram usadas desde o Império Antigo em forma de arco e seu nome egípcio era benet. Nesse período eram os únicos instrumentos musicais de cordas existentes no Egito. Consistia de uma caixa sonora unida a uma haste curva circundada por presilhas, uma para cada corda. As cordas se estendiam entre suas presilhas e uma barra de suporte que ficava em contato com a caixa de som. Quando as presilhas eram giradas, a tensão e, consequentemente, a afinação da corda atada a ela mudava. A maioria destas harpas curvas tinha menos de dez cordas e algumas chegavam a ter apenas três. Ao lado vemos uma harpa de madeira do Império Novo, conservada no Museu Britânico de Londres. Clique aqui para ampliar a figura, ou aqui para ver outra foto da mesma peça.

Harpas triangulares surgiram em época posterior, vindas da Ásia. Nesse caso uma haste reta ficava presa em um buraco de uma caixa sonora oblonga, resultando a formação de um ângulo agudo entre a haste e a caixa. As cordas, possivelmente feitas de cabelo ou de fibras vegetais, eram presas, de um lado, à caixa e, de outro, amarradas ao redor do braço do instrumento. Como no modelo anterior, elas também eram afinadas afrouxando-se ou apertando-se os nós que as seguravam. Os instrumentos normalmente tinham de oito a doze cordas e homens e mulheres tocavam-nos sentados, em pé, ou ajoelhados, em festas, reuniões sociais e eventos cerimoniais. Geralmente eram feitos de madeira, freqüentemente enfeitados e provavelmente não ecoavam muito longe.

A partir de 1550 a.C., quando se inicia o Império Novo, os recursos instrumentais progridem e as harpas, segundo informa o egiptólogo Pierre Montet, passam a ser mais volumosas. O corpo sonoro redobra de volume e as cordas passam a ser mais numerosas. Fabricavam-se harpas portáteis, harpas de grandeza média providas com um pé e harpas monumentais que são verdadeiras obras de arte, cobertas com ornamentos florais ou geométricos, enriquecidas com uma cabeça de madeira dourada que encava na extremidade superior ou se adapta à base. Com relação ao luxo de tais harpas sabemos, por exemplo, que o faraó Amósis (c. 1550 a 1525 a.C.) possuia uma feita de ébano, ouro e prata. Nesse período elas podiam medir até dois metros de altura e possuir 19 cordas. Alguns autores chegam a citar a existência de harpas com até 29 cordas. Uma inscrição referente à coroação de Tutmósis III (c. 1479 a 1425 a.C.) dá bem uma idéia da sofisticação que um desses instrumentos podia alcançar:

Minha Majestade fez uma esplêndida harpa forjada com prata, ouro, lápis-lazúli, malaquita, e toda pedra preciosa brilhante.
As pinturas do túmulo de Ramsés III (c. 1194 a 1163 a.C.) mostram muitas harpas em forma de arco.

A lira, um instrumento de cordas com o formato de uma letra U, com braços retos ou curvos de comprimentos diferentes, é originária da Ásia. Algumas eram portáteis, extremamente elegantes e com não mais do que cinco cordas. Outras podiam ser grandes e possuir um pé de apoio. Seus instrumentistas aparecem representados muitas vezes como nômades estrangeiros. A primeira representação de uma lira na arte egípcia aparece no Império Médio e o instrumento tornou-se bastante comum cerca de 500 anos mais tarde, já no Império Novo. Ela era tocada com um longo plectro seguro com a mão direita, todas as cordas sendo tangidas em conjunto, enquanto os dedos da mão esquerda silenciavam as cordas que não se desejava que soassem. Como regra o instrumento era segurado horizontalmente, com a travessa afastada do executante. Liras gigantes foram populares durante o reinado de Akhenaton (c. 1353 a 1335 a.C.) e algumas eram tão grandes que podiam ser executadas a quatro mãos. Depois do ano 1000 a.C. foi introduzida no Egito, também vinda da Ásia, uma lira simétrica menor, com braços paralelos e que era segurada na posição vertical.

ALAÚDE Outro instrumento de corda também de origem asiática, conhecido atualmente como alaúde e semelhante ao bandolim, parece ter sido introduzido no Egito no Império Novo, tendo ganho grande aceitação. Era uma pequena caixa de ressonância oblonga, com seis ou oito orifícios, chata dos dois lados ou no formato de metade de uma pera e munida de um longo cabo ornado de bandeirolas, sobre o qual se estendiam quatro cordas. As cordas eram presas em cavilhas laterais e produziam som quando esfregadas ou tangidas. A caixa de ressonância era necessária para amplificar o som do tremor das cordas, o que se conseguia pela vibração do ar dentro da caixa. Uma palheta, ou seja, um pequeno e fino pedaço de metal ou osso usado para ferir as cordas, ficava presa no pescoço do instrumento por uma fita. No instrumento de madeira ao lado, provavelmente do Império Novo, apenas três cordas foram preservadas. A estatueta de uma jovem tocando um alaúde grande, mas com um braço curto, foi encontrada em uma tumba da XX dinastia (c. 1196 a 1070 a.C.) pela equipe do arqueólogo Flinders Petrie. Finalmente, um instrumento classificado como violão pelo fato de possuir, além das cordas, a parte posterior plana e os lados curvos, pode não ter sido muito parecido com um violão moderno. Ele deve ter sido aperfeiçoado — se não inventado — pelos egípcios.

FLAUTA No capítulo dos instrumentos de sopro podemos citar as flautas que, aliás, estão entre os primeiros instrumentos musicais utilizados, aparecendo já representadas em cacos de louça do Período Pré-dinástico (c. 3000 a.C.), o que nos leva a pensar que talvez tenham sido inventadas pelos próprios egípcios. Normalmente havia de três a cinco orifícios para os dedos. Podiam ter palhetas ou não e ser formadas por um único tubo ou por dois tubos paralelos ajustados um contra o outro. Posteriormente os tubos foram separados e colocados em um ângulo agudo. No princípio, esses instrumentos eram feitos de canas, mas evoluíram para tubos manufaturados em bronze. Eles podiam ser curtos e tocados na posição horizontal, ou alcançar até o comprimento de quase um metro, sendo tocados, nesse caso, numa posição verticalmente inclinada. Tais flautas ainda são usadas no Egito atual. Na figura acima vemos um par de flautas simétricas unidas, feitas de madeira, sem a embocadura que se perdeu, e provavelmente datadas do Império Novo.

Os vários tipos de tubos diferiram na construção da extremidade que era levada à boca. As flautas simples, as quais eram tocadas na posição horizontal, tinham uma cunha afiada que permanecia do lado de fora dos lábios. As flautas duplas, instrumentos tocados na posição vertical, tinham bocal solto, de encaixe, fornecido com palhetas vibratórias simples, no caso de tubos paralelos, ou duplas, a exemplo do que ocorre com os modernos oboés, no caso de tubos colocados em ângulo agudo. Os arqueólogos nunca encontraram esses bocais. Entretanto, sabe-se que oboés duplos já eram conhecidos, aproximadamente, desde 2800 anos antes de Cristo. Tinham dois tubos de comprimento desigual, sendo que o mais longo era usado para produzir sons contínuos e monótonos, ou para tocar notas que o tubo mais curto não conseguia alcançar. Nas cenas militares, por sua vez, frequentemente são mostrados trompetes. Pelo menos dois trompetes de Tutankhamon (c. 1333 a 1323 a.C.) e um terceiro do Período Ptolomaico (304 a.C. a 30 d.C.) foram encontrados pelos arqueólogos. Embora não tenham sido encontrados relevos mostrando instrumentos feitos de chifres de animais, deve-se notar que existem modelos em terracota de tais instrumentos datados do Império Novo.

Entre os instrumentos de percussão havia o pandeiro, os crótalos e os sistros. O primeiro, tocado com as mãos, podia ser redondo ou quadrado, entrou em uso durante o Império Novo e era empregado em banquetes e reuniões sociais, bem como nas festas populares e religiosas. Figura bastante nas mãos de mulheres em rituais religiosos, quando elas participam em danças sagradas e procissões ou tocam diante das divindades femininas. O som metálico dos címbalos do pandeiro tem poder protetor, pois espanta os espíritos maléficos, os inimigos em geral e os efeitos do mau olhado. Os outros dois instrumentos eram indispensáveis em festas religiosas, já que eram consagrados a Hátor, deusa dos festins e da música.

CRÓTALOS Os crótalos eram formados por duas placas iguais, geralmente de marfim ou de madeira, apresentando um formato curvo como se fossem aspas. Batendo-se as duas metades entre si produzia-se o som. Costumavam ter um desenho entalhado nelas como, por exemplo, mãos, um relicário, uma cabeça de mulher ou, mais comumente, a cabeça de Hátor. Pares de diferentes formas e tamanhos foram encontrados em diversos sítios arqueológicos egípcios. Os que apresentavam formato de mãos parece que estavam relacionados com Hátor no seu papel de mão do deus, ou seja, a mão de Atum, o qual, segundo o mito heliopolitano sobre os primórdios da criação, havia gerado Shu e Tefnut se masturbando. Ao lado vemos um destes instrumentos, de marfim, exposto no Museu Britânico de Londres. Clique aqui para ampliar a figura. Um modelo de origem não egípcia, provavelmente oriúndo da Fenícia, tinha o formato de uma pequena bota de madeira cortada pela metade no sentido longitudinal e sulcada na parte correspondente à perna, enquanto que a parte cônica correspondente ao pé servia como cabo. Alguns modelos de tamanho pequeno ficavam escondidos na palma das mãos dos músicos, de maneira que não podem ser percebidos nas ilustrações. Acredita-se que nos relevos nos quais a mão do dançarino aparece como um punho, provavelmente isso significa que ele está segurando esse crótalo menor, correspondente às nossas atuais castanholas.

SISTRO O sistro era uma espécie de chocalho, frequentemente feito de bronze, e apresentava uma cabeça de Hátor colocada no extremo de um cabo com formato de haste de papiro. No lugar dos chifres da deusa, e muito mais compridos do que eles, havia um arco metálico cruzado horizontalmente por três ou quatro pequenas hastes também de metal que atravessavam pequenos címbalos, igualmente metálicos. Cada uma das hastes era freqüentemente feita de material diferente e interpretadas como representações dos quatro elementos que formam o mundo vivo: a terra, o ar, o fogo e a água. Os sistros com apenas três hastes, como este ao lado datado do Período Tardio (c. 712 a 332 a.C.), simbolizavam as três estações: cheia, semeadura e colheita. Ao se agitar o sistro, as peças soltas soavam em conjunto. Um certo grau de afinação era possível e enquanto alguns dos instrumentos produziam um som rouco enervante, outros emitiam sons descritos como "de doce fascínio". Essa forma do instrumento começa a surgir no Império Médio. Clique aqui para ver outra foto desse mesmo sistro, que hoje pertence ao Museu Britânico de Londres.

Anteriormente, porém, desde o Império Antigo, existia uma outra forma de sistro, menos barulhenta. Sempre com cabo em forma de papiro, apresentava um recipiente fechado e lindamente decorado com a cabeça da deusa, dentro do qual sementes produziam sons semelhantes aos de juncos de papiro agitando-se. O receptáculo costumava ter a forma de uma pequena capela representando o espaço sagrado no qual o primeiro som que criou o universo aconteceu. O relicário pode simbolizar também a casa de canas construída para abrigar Hátor quando ela deu à luz a seu filho, Ihy, um deus-criança da música. O próprio nome de Hátor significa casa de Hórus e a imagem do falcão aparece freqüentemente aninhado em cima do relicário do sistro.

Também instrumento da deusa gata Bastet era, nesse caso, encimado por um rosto de gato ou por um gato sentado em cima do relicário. No caso do primeiro modelo, o gato aparecia se espreguiçando por sobre o topo do arco metálico. Quando usados como amuletos de casamento, os sistros mostravam cestas de gatinhos presas nas laterais do arco, caso em que os gatinhos representavam a prole. Com o tempo o cabo passou a ser feito não apenas de bronze, mas também de faiança ou prata embutida com esmaltes e aparecia com frequência na forma do deus anão Bes. Outra forma que o cabo do sistro podia tomar era a do chamado pilar Djed, objeto que foi interpretado como a coluna vertebral do deus Osíris. No culto de outros deuses, como Ptah e até mesmo Aton, os sistros também foram utilizados.

A origem do instrumento parece ter sido a Núbia, onde surgiu como componente dos ritos de fertilidade locais, ou talvez tenha evoluido de um ritual arcaico que consistia em cortar brotos de papiro com caules longos, secá-los, segurá-los em forma de arco e sacudi-los rítmicamente para abrir o coração da pessoa à deusa Hátor. Os brotos de papiro secos contêm um certo número de sementes soltas que produzem um som sibilante musical quando são chacoalhadas. A palavra egípcia seshesh, que significa sussurrar, deu origem ao nome egípcio do instrumento, seshest, onomatopaico, lembrando uma das mais protetoras e antigas deusas do Egito, a deusa-naja Wadjit, que se acreditava pudesse ser chamada sussurrando sons e encantada através de música rítmica. Alguns dos sistros mais antigos apresentam hastes na forma de serpentes, reminiscência dos velhos rituais de colheita.

Agitando-se o sistro pelo cabo produzia-se um som agudo e prolongado muito apropriado para acompanhar ou ritmar o canto. Acreditava-se que ele tivesse virtudes de apaziguamento, aliviasse as mulheres no parto, afastasse os malefícios e abrandasse os modos das pessoas. Eram sempre tocados em momentos de alto significado religioso como, por exemplo, quando chegavam os que estavam de luto, quando o faraó e a rainha apareciam, quando as cantoras começavam a cantar. As sacerdotisas de Hátor e as de Bastet costumavam agitá-los como parte dos rituais que realizavam e, ao que parece, supunha-se que eles estimulavam a fecundidade. A própria forma do instrumento tinha conotações com a junção das energias masculina e feminina: sua parte superior continha as sementes ou címbalos, simbolizando o ventre da mulher e o cabo alongado simbolizava o falo do homem. Quando se manifestava sob a forma da deusa Nebethetepet, conhecida como Senhora da Vulva, Hátor era representada como um sistro com o desenho de um relicário incorporado nele.

Nos festivais, os músicos, cantores e dançarinos andavam em procissão no exterior dos templos e os sacerdotes transportavam um relicário que abrigava a estátua da divindade. Frequentemente o que se pretendia não era produzir música agradável, mas um som rítmico que criasse um estado de êxtase religioso, ou simplesmente bastante barulho para espantar os espíritos nocivos. Os crótalos e os sistros eram dois instrumentos bastante úteis para tal propósito. Outro instrumento da mesma categoria são os címbalos, constituídos por um par de pratinhos metálicos. Ligeiramente côncavos, eles possuem saliências no centro de suas partes superiores, nas quais são amarrados atilhos curtos que os prendem aos dedos. Eram usados aos pares em cada mão, um deles preso na primeira junta do polegar e o outro atado no dedo médio. Sons vibrantes são produzidos golpeando-se os címbalos diretamente um contra o outro, ou batendo-se com um deles na borda do outro. Ainda hoje eles são usados nas apresentações de dança do ventre. No Período Tardio (c. 712 a 332 a.C.) surgiram pratos maiores, com cerca de 15 centímetros de diâmetro, formados por um par de discos côncavos e preso cada um deles a uma das mãos dos músicos por meio de correias de couro. Também na mesma época aparecem pequenos sinos.

Ainda no capítulo da percussão havia os tambores, percutidos com as mãos, usados tanto com funções religiosas quanto em desfiles militares. Uma mulher tocando um tambor redondo era o símbolo para "alegria" entre os egípcios. Deusas como Hátor, Ísis e Sekhmet, ou deuses como Bes e Anúbis foram representados várias vezes tocando tambores. Na maioria das ilustrações que mostram cenas da corte ou dos grandes templos, aparecem mulheres como tocadoras de tambor. Os homens costumam aparecer mais como tocadores de tambores militares. Havia basicamente dois tipos de tambores. Um dos modelos tinha o formato de pandeiros, mas bem maiores e sem os címbalos metálicos na lateral, redondos ou retangulares, com armação de madeira, cujo diâmetro é muito maior que sua profundidade. Esse instrumento talvez tenha sido desenvolvido por mulheres que usavam peneiras para limpar os grãos. Suas formas são as mesmas e desde a antiguidade se acredita que a peneira para grãos e esse tipo de tambor compartilhem uma origem comum. Um dos nomes mais velhos registrados para esse instrumento é do antigo idioma sumério, no qual a palavra que o designa também significa "peneira de grãos". O outro modelo de tambor tinha o formato de barril, inicialmente feitos com troncos de árvores escavados e que se tornaram populares em bandas militares. Até hoje nenhuma imagem foi encontrada que mostre os tambores, de qualquer modelo, sendo tocados com baquetas. A batida do tambor era comparada ao pulsar da vida, semelhante ao som da batida do coração que nós ouvimos no útero materno. O instrumento também era relacionado com a lua e a fertilidade.

Do ponto de vista cronológico, os tambores só apareceram de fato a partir do Império Médio. Primeiro surgiram os de formato de barril. Uma das mais antigas representações de tambor em um contexto religioso pode ser vista na tumba de Kheruef, um funcionário da corte de Amenófis III (c. 1391 a 1353 a.C.), Ali existe uma cena na qual duas mulheres, provavelmente sacerdotisas, tocam tambores enquanto um pilar djed é erguido ritualmente em um festival. Foram encontradas algumas das peles destes tambores pintadas com cenas simbólicas. Duas delas, do Império Novo, achadas em Tebas, mostram Ísis dando vida a Osíris. Hátor e Bes aparecem na figura entre um grupo de mulheres que tocam tambores. Isso ilustra o poder do tambor de invocar criação e ressurreição e seu uso em rituais relacionados com tais atos. Outras duas peles, estas do Período Ptolomaico, mostram sacerdotisas que tocam tambor diante de Ísis que aparece sentada em seu trono. Cena parecida existe em um relevo em pedra da XIX dinastia (c. 1307 a 1196 a.C.) no qual quatro mulheres, identificadas como sacerdotisas no texto que acompanha a cena, tocam tambores diante de Hátor e Mut.

Uma função bastante prática exercida pelos tambores era a de marcar com sua batida o ritmo dos remadores nos barcos que velejavam pelo Nilo. Essa missão também lhes era confiada na esfera divina: frequentemente são mostradas sacerdotisas tocando tambores no acompanhamento dos barcos sagrados das deidades em procissões rituais. E ainda mais: na viagem diária que Rá fazia velejando pelas águas celestiais, uma mulher toca tambor em seu barco, marcando os ritmos naturais do universo. Durante séculos e séculos os tambores continuaram a ser usados em cerimônias religiosas. Não apenas na época dos Ptolomeus, mas também no Período Romano (30 a.C. a 395 d.C.) o instrumento continuou figurando em cenas de culto. Podemos vê-lo tocado por sacerdotisas no templo de Hátor em Dendera, no templo de Mut em Karnak, no templo de Hórus em Edfu, no templo de Ísis em Philae e em outros ainda. As paredes das tumbas mostram com constância mulheres tocando tambor ao receberem o morto no além. O instrumento figurava entre os pertences funerários enterrados com o defunto e, por exemplo, a mãe de Senenmut, o arquiteto da rainha Hatshepsut (c. 1473 a 1458 a.C.), foi enterrada junto a seu tambor.

Finalmente devemos citar um utensílio curioso: um misto de instrumentoHÁTOR E SETI I musical e colar denominado menat. Eram largos e pesados colares feitos com pérolas ou contas coloridas de cerâmica, pedra dura ou metal precioso, montadas em semicírculo formando um grande crescente. A borda externa podia ou não ser guarnecida por pingentes. Eram dotados de longos contrapesos, os quais equilibravam seu peso considerável quando eram colocados no dorso do portador. Ao serem agitados nas festividades produziam o ruído característico do choque das miçangas. Esse som transmitia vida e poder, tornava as jovens mulheres fecundas, mas também favorecia o renascimento espiritual do ser no além-túmulo. É com esse objetivo que a deusa Hátor oferece um destes colares ao faraó Seti I (c. 1306 a 1290 a.C.), como mostra a figura ao lado.

Esses instrumentos também eram empunhados e agitados principalmente pelas sacerdotisas de Hátor, sendo que as mais experientes dentre elas tocavam o crótalo com uma mão e o menat com a outra. A executante podia usar o colar no pescoço ou, levando-o nas mãos, apresentá-lo à pessoa a quem desejasse oferecer boas vibrações. Diversos estudiosos concordam que o menat simbolizava prazer e júbilo, tanto do ponto de vista da fertilidade, quanto da perspectiva da satisfação sexual. As suas fileiras de contas e o contrapeso de aparência fálica parecem combinar os princípios feminino e masculino em ação. Ele evocava a união de Ísis e Osíris na criação de Hórus e ao ser oferecido aos mortos, o instrumento permitia a revitalização deles no outro mundo. Em uma pintura tumular do Império Médio podemos ver que um grupo de dançarinas, musicistas e cantoras entrega o menat ao dono da tumba em meio a uma festa. Elas balançam o instrumento e dizem:

Para aumentar sua vitalidade, o colar de Hátor. Que ela o abençoe... Para aumentar sua vitalidade, as gargantilhas de Hátor. Que ela prolongue sua vida para o número de dias que você desejar...
Embora estejamos tratando de cada instrumento individualmente, é óbvio que eles podiam ser usados em conjunto. Harpa e flauta, por exemplo, eram usadas juntamente com vários instrumentos de sopro, com e sem palhetas, feitos de madeira ou metal. No Império Antigo, época na qual as orquestras eram quase sempre formadas por homens, um grupo podia ser formado por cantores, tocadores de crótalos, algumas harpas, um flauta horizontal e outra vertical, para ficarmos apenas em uma das combinações possíveis. Um conjunto bem grande é mostrado numa tumba do Império Médio pertencente justamente a um professor de canto chamado Khesuwer. Ali ele aparece treinando dez tocadoras de sistro e dez executantes de crótalos, organizadas em fileiras, o que indica um desempenho altamente disciplinado. O Império Novo nos oferece o espetáculo de orquestras femininas. As instrumentistas marcam o compasso batendo palmas e tocam os vários instrumentos, ora em pé, ora sentadas. Numa cena de dança encontrada em Amarna podemos ver dez jovens, algumas com pandeiros e outras com crótalos nas mãos. Generalizando um pouco, podemos dizer que a música ritual dos templos era em grande parte constituída pelo chocalhar do sistro, acompanhado por canto, às vezes também contando com a participação de harpa e/ou de percussão. Cenas de reuniões sociais e de festivais religiosos mostram conjuntos de instrumentos, tais como liras, alaúdes, flautas simples e duplas, crótalos, tambores e a presença, ou não, de cantores, em uma variedade de situações. Provavelmente a primeira notícia que temos de uma orquestra completa executando um concerto é datada de cerca de 250 a.C. O evento ocorreu em um festival para o faraó Ptolomeu II (285 a 246 a.C.), no qual 600 músicos tocaram simultaneamente.



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