A RELIGIAO

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SETI I E HEÓRUS Um dos aspectos mais fascinantes da antiga cultura egípcia é a religião. Animais divinizados, túmulos repletos de bens, corpos mumificados, tudo isso fazia parte do cotidiano dos egípcios. O faraó era o sumo sacerdote de todos os deuses e, concomitantemente, ele mesmo era um deus. Delegava a pessoas confiáveis a realização dos rituais dos cultos das diversas divindades. Essa era a religião oficial. O povo, por sua vez, tinha seus deuses preferidos, seus protetores domésticos, consultava oráculos e escrevia para seus parentes mortos.

Ao falarmos da religião dos antigos egípcios precisamos distinguir a religião oficial daquela que era praticada pelo povo em geral. A primeira consistia de cultos e festas religiosas nos templos principais. O culto era uma troca entre o faraó e as divindades. Os sacerdotes, em nome do rei, proviam aos deuses e tomavam conta das suas imagens. Em contrapartida, os deuses habitavam tais imagens e mostravam sua predileção pelo faraó, ou seja, por todo o povo egípcio. Esse tipo de relação fica bem claro nas fórmulas das oferendas, as quais afirmam: O rei veio até vós [a divindade], trazendo oferendas que vos apresentou, para que lhe deis todas as terras [ou presente semelhante]. Os relevos, na sua linguagem figurativa, dizem a mesma coisa. Enquanto o faraó mostra sua veneração pela divindade e celebra suas qualidades, esta lhe retribui com amor e prazer na presença do rei. O ser humano em geral, inclusive o faraó, não pode amar o deus, pode apenas respeitá-lo, adorá-lo ou agradecer-lhe. No relevo mostrado acima, do templo de Seti I (c. 1306 a 1290 a.C.), Hórus, sentado no trono, entrega ao faraó o cetro do poder.

BARCA SIMBÓLICA
Os deuses locais mais importantes tinham seus próprios templos e eram considerados, nas suas regiões, divindades criadoras. Os cultos visavam manter a ordem estabelecida do mundo e dele afastar o caos. Praticado por uma hierarquia de sacerdotes, o culto, conforme explica o arqueólogo John Baines, não tinha a ver com a população em geral, excepto com os sacerdotes a tempo parcial que prestavam serviço um mês em cada quatro, e das pessoas que trabalhavam as terras dos templos. Só os sacerdotes podiam entrar no templo. O deus deixava o templo para várias cerimônias, durante as quais as pessoas normais podiam se aproximar dele, nomeadamente para consultas de oráculo, mas mesmo nessas alturas a imagem permanecia escondida num altar e era transportada numa barca simbólica, sabendo-se assim que o deus estava presente, embora não fosse visto. Fora destas cerimônias, o culto oficial era irrelevante para o indivíduo. Na ilustração acima, vemos detalhe de uma decoração em granito, em Karnak, que representa o cortejo de barcos sagrados.

É impossível para os egiptólogos determinar que atitude teria o povo em geral com relação ao culto oficial aos deuses. Tanto poderiam tê-lo visto como essencial, embora não lhes dissesse respeito, quanto como uma extravagância sem sentido. Seja como for, os indivíduos procuravam satisfazer suas necessidades religiosas frequentando os santuários locais de divindades menores.
As pessoas vulgares iam a estes santuários — relata Baines —, onde rezavam, apresentavam oferendas e depositavam perguntas para o oráculo. Existiam também centros de peregrinação, como Abido, que teve seu apogeu no Império Médio (c. 2040 a 1640 a.C.), e Saqqara, onde a necrópole dos animais funcionou como polo nos períodos tardio (c. 712 a 332 a.C) e ptolomaico (332 a 30 a.C.). A julgar pelas fórmulas de cartas, as pessoas visitavam os santuários — ou talvez rezassem em casa — todos os dias para intercederem pelo bem-estar do correspondente ausente. Tais fórmulas não são necessariamente bons testemunhos, mas certos pormenores sugerem que há nelas um fundo de prática genuína.


As atividades religiosas desse tipo andavam de braços dados com a magia. Objetos especiais OLHO UEDJAT como amuletos, bustos de antepassados nas residências, vestuários destinados ao uso durante o parto e outros assemelhados faziam parte das práticas religiosas. O olho uedjat é talvez o mais conhecido de todos os amuletos protetores egípcios. Ao lado vemos um exemplar em faiança, datado do Terceiro Período Intermediário (c. 1070 a 712 a.C.). Os papiros revelam que havia curas mágicas para doenças, poções de amor, calendários de dias benéficos e maléficos, recursos para afastar o mau-olhado, adivinhação por meio de sonhos, cartas escritas a parentes mortos e muito mais. Em que pese tudo isso, Baines informa que não temos qualquer testemunho de rituais efetuados sobre os recém-nascidos, mas apenas dos destinados a facilitar o parto e a remover a impureza do ventre da mãe. Do mesmo modo, fases da vida como a circuncisão dos rapazes, ao que parece pouco antes da puberdade, ou o casamento, não parecem ter sido alvo de ritual.

Os egípcios sempre consideraram alguns animais sagrados para determinadas divindades e osMÚMIA DE UM BOI enterravam com cerimonial. No Período Tardio (c. 712 a 332 a.C.) tais práticas se intensificaram. A espécie associada com a principal divindade local de determinada região era considerada sagrada e um ou todos os seus membros eram mumificados e enterrados. Considerava-se uma boa ação pagar o funeral de um animal. Muitas espécies foram enterradas em Mênfis, cidade de população bastante mista. O exemplo mais clássico é o do touro Ápis, mas quantidades variáveis de íbis, cães ou chacais, gatos, babuínos, mangustos e carneiros também foram mumificados. Outras espécies tais como vários tipos de peixes, cobras e crocodilos sofreram o mesmo processo em outras partes do país. Ao norte de Saqqara, surgiu uma cidade inteira na qual, em escala quase industrial, criavam-se íbis que provavelmente eram sacrificadas e vendidas para servirem de oferendas. Tais práticas, que os arqueólogos confessam ainda não entenderem completamente, eram comuns a todas as classes da sociedade. Na ilustração acima vemos a múmia de um bezerro, datada do Período Romano (30 a.C. a 395 d.C.) e proveniente de Tebas. Nessa cidade o touro era consagrado a Amon e indivíduos piedosos às vezes dedicavam um bezerro ao deus, um símbolo menor e mais barato de sua devoção. Este é um exemplo típico de uma múmia desse tipo e tem 45,7 cm. de altura por 73,7 cm. de comprimento. O corpo foi embrulhado para parecer que o animal está deitado, mas frequentemente os ossos estavam misturados dentro das bandagens. O tórax do animal geralmente estava coberto com um padrão muito elaborado. Radiografias feitas nesta e em outras múmias mostraram que os bezerros usados haviam morrido, ou sido mortos, com cerca de 10 ou 12 meses de idade.