UMA DAS indispensáveis etapas para que o processo de mumificação tivesse sucesso consistia na retirada dos órgãos internos do cadáver. Por outro lado, era igualmente importante, para a continuidade do bem-estar do morto no além-túmulo, que tais órgãos fossem cuidadosamente preservados. Assim, desde o Império Antigo (c. 2575 a 2134 a.C.), era costume retirar as vísceras do organismo, embebê-las em substâncias adstringentes e betume, envolvê-las em ataduras e coloca-las em quatro vasos, atualmente chamados de vasos canopos, como estes em calcário, de cerca de 1000 anos a.C., pertencentes ao acervo do Museu Britânico de Londres. O termo canopo, embora a rigor seja incorreto, foi criado pelos primeiros egiptólogos que viram nesses vasos, com tampas em forma de cabeças humanas, confirmação da história narrada pelos escritores clássicos a respeito de Canopo, piloto de Menelau, da guerra de Tróia, que foi enterrado na cidade de Canopo, situada no noroeste do delta do Nilo, onde era venerado sob a forma de um vaso com cabeça humana.
Filhos de Hórus |
Órgãos |
Deusas |
Tampas |
Ponto Cardeal |
Qebehsenuf |
intestinos |
Selkis |
falcão |
oeste |
Duamutef |
estômago |
Neith |
chacal |
leste |
Hapi |
pulmões |
Néftis |
babuíno |
norte |
Imset |
fígado |
Ísis |
homem |
sul |
TAIS VASOS, FEITOS DE madeira, alabastro, calcário, porcelana, cerâmica ou faiança, tinham tampas de madeira pintada, vinham às vezes acondicionados em estojos também de madeira e eram depositados no túmulo junto ao caixão. As vísceras armazenadas nos quatro vasos eram protegidas por quatro divindades menores, os filhos de Hórus, o antigo (Haroéris). Seus nomes eram Qebehsenuf, Duamutef, Hapi e Imset, os quais tinham a importante missão de proteger, respectivamente, os intestinos, o estômago, os pulmões e o fígado do morto. Eles eram deuses solares, nascidos de uma flor de lótus e resgatados das águas primordiais por Sebek, o deus crocodilo, por ordem de Rá. Eram divindades dos quatro pontos cardeais, pois haviam anunciado nas quatro direções, ou seja, aos quatro ventos, a vitória do pai sobre o deus Seth. Eram protetores do corpo de Osíris e diariamente glorificavam o seu ba. Os quatro filhos de Hórus também estavam presentes no Saguão das Duas Verdades, presidindo, juntamente com Osíris, o julgamento e a pesagem das almas dos defuntos. Nesse caso aparecem em pé, emergindo de uma flor de lótus, e ajudam Anúbis na cerimônia de abertura da boca. Foi no decorrer do Império Novo (c. 1550 a 1070 a.C.) que as quatro deidades passaram a ser representadas nos vasos canopos.
NO COMEÇO — esclarece o egiptólogo Wallis Budge — representavam os quatro suportes do céu, mas não tardou que cada qual fosse considerado como o deus de um dos quatro quartos da terra e também do quarto do céu que ficava acima dele. Como o desejo constante do falecido, expresso em suas orações, era poder ir aonde bem entendesse, tanto na terra quanto no céu, tornava-se absolutamente necessário ao seu bem-estar que ele propiciasse esses deuses e se colocasse debaixo da sua proteção, o que só poderia ser conseguido mediante a recitação de palavras de poder diante das imagens deles ou diante de jarros fabricados para representá-los.
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DUAMUTEF ERA MOSTRADO como uma múmia com cabeça de cão ou de chacal (foto à esquerda) e representava o leste. Hapi era uma figura mumiforme, com cabeça de mono cinocéfalo e representava o norte. Imset aparecia como um homem barbado em forma de múmia e representava o sul. Finalmente, Qebehsenuf surgia com uma cabeça de falcão e corpo mumiforme (foto à direita) e representava o oeste. |
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OS VASOS EM SI ERAM IDENTIFICADOS com as quatro divindades protetoras femininas: Selkis, Neith, Néftis e Ísis, chamadas as quatro carpideiras divinas. Suas tampas, inicialmente simples, durante o Império Médio (c. 2040 a 1640 a.C.) passaram a ter a forma de cabeças humanas, o que perdurou até o final da XVIII dinastia (c. 1307 a.C.). Daí em diante cada vaso passou a ter uma tampa esculpida na forma da cabeça do seu gênio protetor correspondente: para Qebehsenuf uma cabeça de falcão, para Duamutef uma cabeça de chacal, para Hapi uma cabeça de babuíno e para Imset uma cabeça humana. Como o vaso era oco e sua tampa tinha a forma da cabeça do deus correspondente, e como as inscrições feitas no recipiente tornavam-no a habitação do deus, era possível afirmar que o órgão do falecido fora colocado no interior da própria divindade.
DURANTE A XXI DINASTIA (c. 1070 a 945 a.C.), quando era costume recolocar os órgãos dentro do corpo acompanhados de uma figura do correspondente filho de Hórus, ainda assim, por mero formalismo, permanecia a prática de incluir um conjunto de vasos canopos ao lado da múmia. Os órgãos internos foram colocados novamente em vasos canopos durante a XXVI dinastia (664 a 525 a.C.). Em dinastias posteriores, tais órgãos eram embrulhados e postos entre as pernas do defunto e os vasos vazios continuaram a ser usados com propósitos simbólicos. Por sua vez, imitações sólidas destes vasos foram usadas durante o período ptolomaico (304 a 30 a.C.), quando o processo de mumificação tornou-se grosseiro e as vísceras eram frequentemente deixadas dentro do corpo.
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