O BABUÍNO DO DEUS DA ESCRITA


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OS BABUÍNOS OU CINOCÉFALOS são grandes macacos africanos, cuja cabeça oferece alguma semelhança com a dos cães e que, no entender do historiador grego Diodoro de Sicília, parecem-se a homens disformes por seu corpo, sendo seu grito um gemido de voz humana. Outro autor grego, Eliano, que escreveu um tratado sobre a natureza dos animais, garantia que no tempo dos Ptolomeus os egípcios ensinaram os cinocéfalos a ler; também lhes ensinaram a dançar, a tocar a flauta e a cítara. Alfabetizados ou não, músicos ou não, no antigo Egito estes animais, usando o disco lunar e o crescente na cabeça, como se vê à esquerda, estavam associados ao deus Thoth (Tout, Tot ou Tehuti em egípcio). Os monumentos egípcios mostram os babuínos adorando, saudando e cantando ao Sol nascente e poente.





THOTH ERA CONSIDERADO O DEUS DA escrita e a divindade que revelara aos homens quase todas as disciplinas intelectuais: a escrita, a aritmética, as ciências em geral e a magia. Era o deus-escriba e o deus letrado por excelência. Havia sido o inventor da escrita hieroglífica e era o escriba dos deuses; senhor da sabedoria e da magia. Era o deus local em Hermópolis, principal cidade do Médio Egito. Deuses particularmente numerosos parecem ter se fundido no deus Thoth: deuses-serpentes, deuses-rãs, um deus-
-íbis
, um deus-lua e este deus-macaco, que vemos ao lado numa estatueta de bronze do século V a.C. pertencente a uma coleção particular. Thoth era o escrivão do reino do além-túmulo, que anotava tudo o que se passava durante o julgamento dos mortos. Nesse julgamento, que se realiza num grande ambiente denominado Saguão das Duas Verdades, está presente uma grande balança destinada a pesar o coração do morto. Esse artefato, colocado no centro do saguão, é encimado pelo babuíno de Thoth. Por ser o mais sábio e esperto dos deuses, Thoth era invocado pelo morto como advogado defensor de sua causa nesse julgamento, do qual dependia sua vida eterna.

NA FIGURA AO lado vê-se um grupo esculpido em alabastro na XVIII dinastia, no reinado de Amenófis III (c. 1391 a 1353), atualmente no Museu do Louvre, em Paris, no qual o escriba Nebmerutef trabalha em um longo papiro, sob a vigilância de Thoth. Provavelmente a peça é proveniente de Hermópolis, tem 21,3 cm de altura, 20,3 cm de largura e 9,2 cm de profundidade. A egiptóloga Elisabeth Delange assim a descreve: "O escriba real, sacerdote-leitor chefe, chefe de todos os trabalhos do rei" fixa na pedra o que sua nobre função deve à inspiração benevolente de Thoth. Em posição assimétrica, a perna esquerda destacada, curvado sobre o papiro, Nebmerutef escreve com um cálamo, atualmente desaparecido, muito concentrado em sua tarefa. Tendo sobre a cabeça uma peruca "encaracolada", a face apresenta um belo jovem, com olhos amendoados, um pequeno nariz arredondado, copiando os traços característicos da fisionomia do rei Amenófis III, para enobrecer "seu retrato".

O DEUS THOTH — prossegue a escritora —, em sua forma de macaco hamádrias, elevado sobre um alto pedestal de cornija, domina com toda sua altura a estatueta do funcionário. A cabeça do cinocéfalo emerge do tosão generoso que envolve o corpo de pelos longos e espessos. Ele porta um disco solar com alguns sinais da douradura original. A inscrição que circunda a base é o pedido clássico para se beneficiar dos víveres colocados no templo de Thoth para sua própria subsistência. Aquela do papiro comemora uma atividade particular da qual o escriba está orgulhoso. Enfim o texto do pedestal ostenta uma prece ao "Senhor de Hermópolis, o Venerável, Thoth" para "atingir a alegria, a inteligência e permanecer na terra para servir o rei, pleno de favor e de amor", seus votos de qualidades morais mostram então que ele tinha consciência de que elas não emanavam de sua própria vontade, mas que ele as recebia da divindade.

THOTH, O DEUS DA CIÊNCIA E DA SABEDORIA — conclui a autora — é também "a lingua de Ptah", o senhor de toda a palavra, de tudo escrito. Nebmerutef se proclama "o intérprete das palavras divinas", o que significa em outros termos "penetrar na literatura religiosa, tornar senhor de idéias inacessíveis, trazer à luz as passagens obscuras". Assim Thoth é a fonte da inspiração, da atividade reflexiva, interiorizada. O monumento se torna um hino de ação de graças do homem de letras ao deus da inteligência, a pedra traduzindo o canto "venha Thoth, seja meu diretor, torne-me hábil, teus trabalhos são os melhores de todos os trabalhos".


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